O Maior São João do Mundo, em Campina Grande, tem se reafirmado não apenas como um dos maiores eventos populares do Brasil, mas também em um símbolo de inclusão e acessibilidade. Este ano, a organização da festa deu mais um passo decisivo na consolidação dessa marca, com um conjunto de ações voltadas à promoção da igualdade de acesso, mobilidade e representatividade para pessoas com deficiência.
Em uma articulação conjunta entre a Arte Produções, Prefeitura de Campina Grande e diversos órgãos públicos, foi reforçada a planta de acessibilidade do Parque do Povo, com destaque para melhorias nas rotas de acesso e a ampliação das entradas acessíveis. O objetivo é claro: garantir que todas as pessoas, independentemente de suas condições físicas, possam vivenciar a festa com plenitude.
“Nós ampliamos a quantidade de entradas acessíveis, para garantir que todos tenham um espaço mais propício para o acesso à festa. Outras medidas também foram implementadas visando oferecer uma melhor experiência para as pessoas com deficiência, reafirmando nosso compromisso com a acessibilidade e a democratização da festa”, destacou Monique Fernandes, produtora executiva da Arte Produções.
Entre as ações mais expressivas está o Camarote da Acessibilidade, que neste ano bateu recorde de procura e atendimento: cerca de 5 mil pessoas se inscreveram para garantir uma vaga, entre os inscritos estavam 1.446 pessoas com deficiência física ou dificuldades de locomoção, 280 com autismo, 184 pessoas surdas e muitas com fibromialgia. Ao longo das noites de evento, o camarote recebeu diariamente até 100 pessoas, oferecendo visão privilegiada do palco principal e estrutura adaptada.
A coordenadora PCD da Semas, Edna Silva, comemorou os avanços e o alcance nacional da proposta. “Tivemos a visita de 123 turistas de várias cidades do Brasil e até da Colômbia. Isso mostra que Campina Grande se tornou referência para quem busca inclusão em grandes eventos.”
Inclusão em todos os sentidos: da mobilidade à representatividade
Lucivania Valentim, tradutora de Libras do IFPB e professora da UEPB, além de coordenadora da Agen-tils, destacou que o trabalho em Campina Grande tem se tornado um exemplo para o país.
“Campina nunca teve essa questão de rampas e espaços livres. E hoje a gente tem. A Arte Produções e a Prefeitura de Campina Grande têm trabalhado lado a lado. A pessoa com deficiência pode chegar aqui, encontrar um camarote quase em frente ao palco e dizer: ‘Eu sou uma pessoa com deficiência, mas eu participo do Maior São João do Mundo’. Isso é inclusão de verdade.”, afirmou.
Lucivania também ressaltou que esse compromisso com a acessibilidade tem impactado positivamente a comunidade surda, os cadeirantes e pessoas cegas. Em grupos de conversa, ela relata, muitas pessoas afirmam que esse nível de inclusão ainda não é encontrado em grandes eventos de outras capitais como Recife ou Natal. “Campina tem mostrado ao Brasil o que é visibilidade e respeito”, completou.
No último dia 29, um momento histórico aconteceu: pela primeira vez, uma pessoa surda interpretou as músicas de um show no palco principal d’O Maior São João do Mundo. Durante a apresentação da dupla Bruno & Marrone, o tradutor surdo Bruno Bueno atuou ao lado de um intérprete ouvinte, oferecendo uma experiência inédita de tradução em Libras feita por alguém da própria comunidade surda — respeitando ritmo, linguagem e vivência.
Essa iniciativa surgiu da observação das próprias pessoas surdas, que muitas vezes aprendem os sinais vendo os intérpretes no telão. Agora, a proposta é oferecer uma experiência real de pertencimento e fruição cultural. A tradução deixa de ser apenas técnica e se torna emocional, sensorial, conectada à música e ao coração de quem a vive.
“A expressividade, o ritmo e a cultura visual são essenciais para mostrar a importância dos locais de acessibilidade. Os surdos podem trabalhar como intérpretes e tradutores, e uma dica importante é que é preciso ser fluente em Libras e em português para atuar na tradução de Libras para diferentes contextos, como shows, museus, TV, entre outros. Sempre busco atuar como consultor de linguística para melhorar a qualidade do trabalho de tradutores/intérpretes, pois isso é fundamental para a comunidade surda”, explicou Bruno Bueno tradutor, professor e pesquisador.
Música que se vê, festa que se sente: um São João para todos
A acessibilidade em Campina Grande não se limita à estrutura física. Ela também alcança o campo simbólico e cultural. Um exemplo marcante aconteceu no dia 23, com o cantor Guilherme Dantas, artista com deficiência visual que levou ao palco não apenas sua música, mas sua história de superação e representatividade:
“Estar num palco como esse é uma realização. É uma alegria e uma semente que planto para que outros artistas com deficiência também tenham essa oportunidade”, afirmou Guilherme em entrevista coletiva.
Além de Guilherme Dantas, outros palcos também se tornaram pontes para a inclusão c atraindo mais artistas e fomentando a representatividade, com trios e bandas de forró formados exclusivamente por artistas com deficiência visual.
“Esse ano toquei com Luca da Paraíba, que também é deficiente visual. Na verdade, o trio que toquei esse ano era todo formado por pessoas com deficiência visual. Já toco no Parque do Povo há uns 18 ou 19 anos, mas com um trio formado só por cegos foi a primeira vez agora em 2025. Nos outros anos, toquei com bandas com pessoas sem deficiência visual. Inclusive, nas bandas que participo hoje, é só o pessoal cego também”, explicou o artista e zabumbeiro Gustavo Gonçalves.
Parceria com a APAE
Durante o mês de junho e a primeira semana de julho, jovens com Síndrome de Down participaram da divulgação d’O Maior São João do Mundo, em Campina Grande, dentro do projeto São João Acolhedor — uma iniciativa da Central do Turista em parceria com a APAE. Acompanhados por seus responsáveis, eles entregaram folhetos informativos e acolheram turistas com simpatia e entusiasmo no Parque do Povo. Para Eliane Bezerra, mãe de uma das participantes, a experiência foi transformadora: “Nossos filhos se sentiram muito importantes, muito valorizados. Foi bonito ver a interação deles com o público, que os acolheu com elogios, sorrisos e até pedidos de fotos”.
A ação, idealizada pela primeira-dama de Campina Grande, Juliana Figueiredo Cunha Lima, também contribuiu para o desenvolvimento pessoal dos jovens e para a quebra de preconceitos, ao mostrar que pessoas com deficiência podem exercer, com competência e alegria, as mesmas funções que outros profissionais.
Segundo os familiares, a iniciativa fortalece a inclusão e o reconhecimento do trabalho contínuo feito junto à APAE, preparando-os para a vida em sociedade e para o mercado de trabalho.
Fazer cultura é também fazer justiça
Mais do que rampas, camarotes e intérpretes, Campina Grande está construindo um legado: o de um São João realmente de todos. A festa, que por décadas tem sido símbolo de tradição nordestina, agora também representa o avanço de uma consciência coletiva que entende que cultura só é cultura quando é compartilhada.
Esse compromisso com a inclusão transforma o Maior São João do Mundo em algo ainda maior — uma ponte entre o direito à cultura e o sentimento de pertencimento, onde cada pessoa, com ou sem deficiência, possa dançar, cantar e dizer: “Essa festa também é minha”.
Texto: Augusto Arruda/ Arte Produções
Fotos: Thallys Andrade/Myrlla dos Anjos/ Arte Produções
